“Faz muita falta em Portugal uma entidade reguladora dos dados do mercado imobiliário”
Notícias | 06 março 2025 “Faz muita falta em Portugal uma entidade reguladora dos dados do mercado imobiliário”

Portugal deveria ter uma entidade reguladora na habitação, que recolhesse e divulgasse dados de mercado a todos os operadores, para reduzir as assimetrias de informação e de preços. A ideia consta das conclusões preliminares de um estudo realizado por investigadores da Nova SBE que serão divulgadas na conferência “Imobiliário 3.0: Habitação e Inovação”, que decorre esta quinta-feira no Campus de Carcavelos da Nova SBE, com a presença da secretária de Estado da Habitação, autarcas e players do mercado. 

Em conversa com o DN, Fábio dos Santos Cardoso, Investigador no Nova SBE Data, Operations and Technology Knowledge Center, explicou a ideia por detrás do regulador nesta área.

“Seria importante existir uma entidade curadora de dados. Porque quando falamos de tecnologia, é importante ver que há uma assimetria e, para mim, essa é a origem das grandes questões. Há uma assimetria de dados é é ela que leva à assimetria de mercados, dado que é o principal activo da nossa era: quem detém dados, detém o poder”, salientou o investigador.

A ideia seria o regulador agregar os dados fornecidos por todos os operadores – e seria obrigatório o fornecimento desses dados – e depois tornava-os disponíveis. Nomeadamente, preços do metro quadrado em determinada zona, etc.

“Mas mais do que isso. Porque há a questão do preço percebido, do asking price. Os portais de habitação apresentam o asking price, mas não o de venda. Quando se começasse a ter o preço de venda, era uma maneira de também começar a reduzir a assimetria para que a curva de preço real começasse a convergir com a curva do asking price”. Isto porque, defende, a curva de asking price puxa a do preço real e cria distorção.

Nenhum país europeu tem um supervisor de dados de habitação como o que é defendido pelos investigadores, mas Fábio dos Santos Cardoso considera que “seria a possibilidade de criar uma tendência”. Ainda assim, faz ressalvas em relação ao “poder” ao alcance do regulador.

“A questão do regulador carece de debate público. Se for mal feito, pode ser algo que estrangula o mercado. E não é isso que se pretende. Ou então afastaria do mercado português grandes players. Mas a grande questão é que há uma distorção. E essa distorção leva as assimetrias. Mas, ainda que de forma preliminar, é preciso fazer algo nesse âmbito: o asking price e o real price têm que se aproximar, para mitigar o problema”.

O estudo realizado – feito em 2024 – visou, principalmente, saber como é que os players percebem o mercado hoje. “Se usam ou evitam as novas tecnologias no negócio. É mais do que um estudo de sentimento de mercado, é de entendimento do mercado mesmo. E o objetivo final é a construção de um Policy Paper, ou seja terminar em propostas concretas de política pública”, assegura.

O trabalho identificou vários pontos positivos, mas também negativos no mercado nacional. 

Segundo Fábio dos Santos Cardoso, na coluna do “+” estão:

1. A questão da sustentabilidade, principalmente dentro da cadeia de valor, ele já é algo garantido, percebido e entendido. Especificamente do ponto de vista dos profissionais da área da construção e da remodelação. É percebido que Portugal tem uma pobreza energética e, com isso, é preciso que as novas construções sejam adaptadas para que a pessoa não fique num estado de pobreza energética, que possa ter isolamento térmico, seja para os picos de verão, mas também para o inverno. 

2. A outra perceção é da redução de custos de produção, não no sentido do mercado como um todo – porque há choques externos como guerras, pandemias – mas em termos de mudança da produção, para uma adoção maior da madeira como elemento principal – não em substituição – mas acompanhada do betão. 

3. Há também uma perceção de que o investimento estrangeiro está a mudar de perfil. No passado havia muitos brasileiros, chineses e indianos a comprar em Portugal, agora provavelmente mais norte-americanos. Isso deveu-se ao crescimento do mercado de luxo, que ainda está a expandir em áreas como o Algarve, o Alentejo é também nas zonas próximas de Lisboa, Península de Setúbal, Comporta. Isso é algo que é perceptível dentro do que foi trazido pelos entrevistados. 

Na coluna do “-“ está, por exemplo:

  1. "Nas conversas e nas fontes documentais fica evidente que em Portugal o imobiliário é cada vez mais visto com ativo e não como moradia. A minha opinião, como investigador, é que este é um setor que tem uma função social muito grande, e ao ter essa função social muito grande é preciso que ela atenda a sociedade". Hoje em Portugal há uma procura crónica por tipologias mais pequenas – T0, T1 e T2 – para as famílias de classe média e classe média/baixa e baixa renda. E não há disponibilidade dos players para avançar nesse segmento, comenta Fábio dos Santos Cardoso. Para o investigador, o mercado está a procurar lucro, produtividade e eficiência e estão a focar-se no mercado de luxo, que é o que apresenta o payback mais rápido. Mas isso não é algo mau.

“Não há aqui uma ode contra o mercado de luxo, de maneira alguma. Esse mercado um vetor de recuperação da economia portuguesa pós-troika. Porém, a questão é a assimetria e a concentração nesse segmento. Tudo que é recurso de um país pequeno é focado num único nicho e isso causa essas distorções”, reforça.

A propósito da conferência, o Dean da Nova SBE, Pedro Oliveira, considerou ao DN que “a habitação em Portugal enfrenta desafios estruturais que exigem uma abordagem inovadora. Acreditamos que a tecnologia – através da digitalização, blockchain e inteligência artificial – pode ser um motor de mudança, tornando o setor mais acessível e eficiente”.

Na Nova SBE, acrescentou, “estamos comprometidos em gerar conhecimento e soluções concretas, através da colaboração entre academia, empresas e setor público. Projetos como a Agenda BlockchainPT, financiada pelo PRR, são fundamentais para impulsionar esta transformação e promover um mercado habitacional mais transparente e sustentável”.

Tal como referiu Pedro Oliveira, um dos grandes enfoques do estudo, que será focado na conferência, é o impacto potencial da tecnologia no mercado, sobretudo através de três grandes possibilidades: a primeira e principal é o blockchain, seguida do Big Data e da Inteligência Artificial, disse ao DN Fábio dos Santos Cardoso. 

"Basicamente, o blockchain teria uma brutal relevância dentro de um mercado assimétrico, porque consegue combater fraudes. É o que diz a literatura e também a perceção dos entrevistados. Consegue uma ampliação de investimento no setor, porque se a legislação permite que possa haver uma tokenização, poderia atrair inclusive pequenos investidores.

A tokenização começa a ganhar corpo no mercado de habitação no Dubai, nos Estados Unidos também". Isso significa, por exemplo, poder separar uma casa em frações, cada uma delas um token, como se fossem ações. Uma forma de permitir que os pequenos investidores possam ter acesso ao mercado mais facilmente, disse.

evento da Nova SBE decorre na quinta-feira, no Campus de Carcavelos.

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