VOICES | do "Medica Ai The Conference, Champalimaud Foundation" por Inês Lopes
Notícias | 17 setembro 2025 VOICES | do "Medica Ai The Conference, Champalimaud Foundation" por Inês Lopes

Inês Margarida Lopes, estudante de Mestrado e Membro do Nova SBE Health Economics & Management Knowledge Center, participou na Medica AI – The Conference, na Fundação Champalimaud. Nas suas reflexões, explora como a inteligência artificial está a transformar a medicina e porque razão a prevenção é não apenas uma prioridade clínica, mas também uma necessidade económica para a sustentabilidade dos sistemas de saúde.

 

Inês Margarida Lopes:

No dia 16 de julho de 2025, por ocasião do Artificial Intelligence Appreciation Day, a Fundação Champalimaud, em Lisboa, acolheu a 2.ª edição da Medica AI – The Conference. Este evento marcante reuniu investigadores, médicos, cientistas e empreendedores de todo o mundo para debater como a inteligência artificial (IA) está a redefinir a medicina e os cuidados de saúde. O programa abordou temas desde a inovação médica até à sustentabilidade em saúde, destacando de que forma as novas tecnologias podem melhorar os cuidados prestados e, simultaneamente, responder a desafios económicos.

A conferência contou com um conjunto de apresentações inspiradoras que mostraram os mais recentes avanços na investigação médica e os seus impactos concretos. Entre os tópicos, incluíram-se a utilização de machine learning na detecção precoce de cancro do pulmão através da análise da respiração (Duarte Vaz, 2025) e soluções de IA que permitem a pessoas com dificuldades de fala recuperarem a sua voz através de síntese vocal avançada (Farinha, 2025). Uma das sessões em destaque, “Neuro-AI: Rewiring Recovery”, apresentada por Marta Dombi e Valeria Spagnolo, demonstrou como a IA está a revolucionar a neuro-reabilitação, com interfaces neurais a permitir que pessoas paraplégicas recuperem mobilidade. Estes avanços representam um passo significativo no tratamento de condições até agora consideradas incuráveis, trazendo esperança de melhor qualidade de vida.

Mas pode perguntar-se: de que forma isto se relaciona com a economia da saúde? Tal como uma rede neural, o sistema de saúde é interdependente e cada avanço tem implicações económicas mais amplas.

A integração da IA na saúde aborda desafios prementes que fragilizam os sistemas de saúde a nível global, sobretudo a sua insustentabilidade. Os países desenvolvidos enfrentam custos crescentes, populações envelhecidas e graves carências de profissionais. Um terço dos adultos da UE vive com pelo menos uma doença crónica e estima-se uma escassez de 2,1 milhões de profissionais de saúde na região (Comissão Europeia, 2024 e 2025). Além disso, durante as décadas de 1990 e 2000, a despesa em saúde cresceu de forma sistemática acima da economia, aumentando continuamente a proporção da despesa em saúde no PIB (OCDE, 2023). Estes desafios reforçam a importância de transitar de um modelo reativo e interventivo para uma abordagem preventiva, centrada na deteção precoce, promoção da saúde e redução do risco a longo prazo — estratégias que podem melhorar os resultados em saúde e, em paralelo, conter os custos.

A medicina preventiva é uma estratégia eficaz não só do ponto de vista clínico, mas também económico. As intervenções precoces reduzem complicações e hospitalizações, minimizam custos futuros de tratamento e permitem uma gestão mais eficiente dos recursos de saúde. Exames de rotina, intervenções no estilo de vida e monitorização dos doentes podem travar a progressão de doenças crónicas, um dos principais motores da despesa em saúde. Ao privilegiar a prevenção em detrimento da intervenção, os sistemas conseguem simultaneamente melhorar a saúde das populações e garantir sustentabilidade económica.

A IA não visa substituir clínicos, mas sim reforçar as práticas médicas existentes. Exemplos incluem os gémeos digitais em cirurgia (Marques, 2024) e a triagem oportunista em larga escala (Santinha, 2025). Estas inovações aumentam a precisão diagnóstica e a eficiência dos tratamentos. Destaca-se ainda a deteção de diabetes tipo II através da análise da voz (Fossat, 2024), já integrada em alguns sistemas nacionais de saúde (Canadá), comprovando o potencial da IA para oferecer soluções custo-eficazes e precisas.

Contudo, a tecnologia por si só não chega. É essencial investir estrategicamente em abordagens preventivas e na reorganização dos sistemas. A sustentabilidade em saúde depende de políticas que incentivem a gestão proativa dos riscos, reforcem os cuidados de saúde primários e promovam soluções intersetoriais. Como sublinhado na apresentação “Drowning in a Sea of Data, Starving for Knowledge: Transforming R&D with AI” de David Roblin, o número de aprovações de medicamentos por cada mil milhões investido em I&D caiu cerca de 9,4% por ano desde a década de 1950, enquanto a despesa em saúde aumentou, mas com ganhos modestos em esperança de vida. Estes dados mostram que gastar mais não basta. Estratégias preventivas e regulamentação eficaz para integrar novas inovações são indispensáveis a melhorias sustentáveis.

Para tal, é necessário mais do que soluções tecnológicas. Os decisores políticos devem alinhar a regulação com a inovação, assegurando que as intervenções eficazes são implementadas de forma eficiente e equitativa. A adoção lenta ou políticas fragmentadas podem comprometer os benefícios económicos das inovações em saúde, deixando os sistemas expostos ao aumento de custos e à pressão sobre os recursos humanos.

A Medica AI – The Conference foi um espaço enriquecedor de reflexão sobre a interseção entre inovação em IA e cuidados de saúde, mas deixou também uma mensagem clara para a economia da saúde: os sistemas atuais estão sob pressão e a mudança para uma lógica preventiva é fundamental. O investimento em intervenções precoces, políticas baseadas em evidência e um desenho sustentável dos sistemas pode reduzir custos, melhorar a saúde da população e garantir o futuro dos cuidados de saúde. Alinhar inovação, política e estratégia económica é crítico para assegurar que os sistemas de saúde se mantêm eficazes, resilientes e equitativos perante pressões demográficas e financeiras.

Referências:

Duarte Vaz, P. (2025). AI meets Breathomics in the Race for Early Lung Cancer Detection. In Medica AI – The Conference (Champalimaud Foundation, 16 July 2025). Retrieved from https://www.fchampalimaud.org/events/medica-ai-conference-0

Farinha, C. (2025).  The Right to Speak: Designing AI for Dignity, Voice and Autonomy. In Medica AI – The Conference (Champalimaud Foundation, 16 July 2025). Retrieved from https://www.fchampalimaud.org/events/medica-ai-conference-0

Dombi, M., & Spagnolo, V. (2025). Neuro-AI: Rewiring Recovery – How AI is Transforming Neurohabilitation. In Medica AI – The Conference (Champalimaud Foundation, 16 July 2025). Retrieved from https://www.fchampalimaud.org/events/medica-ai-conference-0

European Commission. (2024). Health status statistics: Long-standing illnesses and health problems. Eurostat. Retrieved from https://ec.europa.eu/eurostat/statistics-explained/index.php?oldid=652859

European Parliament. (2025). The healthcare workforce in the EU: Challenges and shortages. European Parliamentary Research Service. Retrieved September 2, 2025, from https://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/ATAG/2025/767231/EPRS_ATA%282025%29767231_EN.pdf

OECD. (2023). Health at a Glance 2023: OECD Indicators. OECD Publishing. Retrieved September 2, 2025, from https://www.oecd.org/en/publications/health-at-a-glance-2023_7a7afb35-en.html

Marques, T. (2024). Surgery Without Guesswork: AI-driven digital twins in the operating room. In Medica AI – The Conference (Champalimaud Foundation, 16 July 2025). Retrieved from https://www.fchampalimaud.org/events/medica-ai-conference-0

Santinha, J. (2025). Smart Systems, Timely Diagnoses: AI-Driven Opportunistic Screening at Scale. In Medica AI – The Conference (Champalimaud Foundation, 16 July 2025). Retrieved from https://www.fchampalimaud.org/events/medica-ai-conference-0

Fossat, Y. (2024). The Sound of Diasease: Detecting Diabetes through Voice and AI. In Medica AI – The Conference (Champalimaud Foundation, 16 July 2025). Retrieved from https://www.fchampalimaud.org/events/medica-ai-conference-0.

Roblin, D. (2025). Drowning in a Sea of Data, Starving for Knowledge: Transforming R&D with AI. In Medica AI – The Conference (Champalimaud Foundation, 16 July 2025). Retrieved from https://www.fchampalimaud.org/events/medica-ai-conference-0

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